Orgulho ferido

Fazia mais de meses que eu não falava com o meu pai. Eu realmente nunca me importei em voltar a falar ou em correr atrás pra pedir desculpas. Toda noite, nós passamos um pelo outro e os nossos olhos nunca se encontram. Eu me lembro de quando eu comecei a não suportá-lo mais. Faz 10 anos, quando a pinga que ele tomava de vez em nunca, passou a ser rotineira. A gente nunca se deu bem depois de dar inicio a esse tombo que ele costuma levar até hoje. Com o tempo, fui crescendo e meu ódio pelo alcool só aumentou. Não era ódio do meu pai, isso nunca foi. Mas foi dos copos e mais copos que ele virava que eu tinha raiva. De cada gota que passava pela garganta dele, ser mais um passo pra longe da família dele. Eu não concordo com nada. Eu não consigo entender o por quê disso tudo. Quando me perguntam dele, eu falo "é o marido da minha mãe" ou quando vou falar dele para ela, "seu marido é isso/fez aquilo". As pessoas dizem que eu guardo mágoa. Deve ser isso mesmo. Acho que nunca vou conseguir perdoar o que ele fez com ele mesmo. Hoje, eu tive um sonho muito louco: homens entravam pra matar minha família e eu gritava pro meu pai vir me proteger, e ele não abria a porta. Quando eu acordei, chorando, eu estava deitada na porta do quarto dele. Isso foi demais pra mim, mas não falei nada. Afinal, não sou eu quem volta atrás. Orgulho ferido, como diria minha amiga. "Ana, deixa desse orgulho que te fere. Um dia você não vai mais tê-lo aqui". Agora a pouco, eu me perdi no meio de tanta gente. Eu não pensei que isso fosse me acontecer com quase 20 anos nas costas. Eu conheço os lugares onde eu estive de olhos fechados. "Pai, vem me buscar. Eu to com medo". Eu fiquei esperando meu pai por quase uma hora. Todos os carros que passavam, nenhum era dele. Eu andava de um lado para o outro, em desespero. Meu coração parecia que ia parar. Minha pressão foi caindo por causa do Sol que estava fazendo. Fui perdendo o chão aos poucos, encostada na parede da Igreja do Centro. Quando eu estava prestes a fechar os olhos, ao mãos do meu pai seguram minha cintura. "Desculpa a demora, doce". Meu mundo realmente caiu. Eu não consegui segurar o choro, assim como eu não consigo conte-lo agora, escrevendo isso. "Não tem problema, pai. O que importa é que você veio".

(apesar disso, o alcool ainda existe. E eu tenho medo que um dia seja tarde demais e que ele não venha me buscar);

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