Peso sem pesar

Enquanto ela não parava de chorar, eu soltava toda e qualquer palavra que passava na minha mente. Eu não parei pra pensar uma vez se quer. Todo frio que descia pela minha espinha, se transformava em palavra para afetá-lo. Na verdade, eu ensaiei durante anos o meu discurso para quando o dia de hoje chegasse, eu soubesse falar sem pesar, mas a cada dia que passava, era uma nova frase para esse meu espetáculo sem fim. O problema foi nunca ter tido coragem de me apresentar em público, com só você me olhando. Ela continuava a me pedir "papas na língua", mas eu não prestava atenção em nada. Apenas soltei todas as palavras, sem sentido e com toda a minha razão: eu sabia que estava certa. Eu não costumo ir além, mesmo sabendo do que estou falando. Eu costumo ficar quieta, vendo as coisas acontecerem e ter a certeza do que eu faço dentro de mim. O fato é que eu não preciso mostrar pra ninguém que eu estou certa. Eu realmente não preciso disso. Enfim. Dessa vez, foi diferente. Balbuciei pequenos rastros de dor, enquanto ele trocava de canal em busca de um programa besta que o fizesse dar risada. "Calma Ana!". Isso não era necessário, eu era um poço de calmaria. Falava no meu melhor timbre de voz. Nem eu mesma me reconheci, tamanha doçura na fala. Continuei, com aquele ar sarcástico que eu tanto prezei em falar. Tomei cuidado para que cada frase dita, fosse uma frase a ser pensada. Comemorei sua resposta como quem comemorava um ganho na loteria. Respirei aliviada como quem mata a saudade de alguém. E agora, enquanto escrevo isso, no outro comodo dos meus sentidos, vejo o peso dos litros de alcool que ele toma pela boca, escorrer pelos olhos em forma de arrependimento.

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