sobre as coisas que eu não sabia
isso também passa
"Era dezembro, ainda me lembro: o Sol..."
Fez sol naquela quarta-feira, as duas da tarde, enquanto eu corria pra pegar o 249. Fez sol no sábado, um mês depois, no parque da luz. Fez sol naquele sábado. Para ser mais exata, em todos os dias dezenove de dezembro fez sol. Com chuva. Mas não fez sol na segunda-feira de manhã, no dia que todas as minhas coisas estavam amontoadas no quarto, na sala e na cozinha da minha mãe. Aquele dia choveu não só no quintal, mas dentro do meu coração. É como se esse dia, tão cheio de não significados para as pessoas, descrevesse exatamente como foram os últimos dez anos da minha vida. Apesar de bonitos, cheio de tempestade. É incrível se dar conta de tanta coisa que já vivi, embora os quase vinte seis anos sejam tão pouco. Do que perdi. Passou. Mas também do que chegou. E aí entram parenteses porque contarei mais tarde. Por hora, a partir daquele ponto, dia dezenove de dezembro marca o dia que eu renasci. Do abismo que fui, voltei, e consegui encontrar uma única possibilidade de escalar. É engraçado como a gente não percebe o quão no fundo estamos do abismo. Do quão perto do precipício também. E de como não percebemos as milhões de possibilidades que temos de sobrevoar o próprio abismo. Deve ser porque há uma linha muito tênue entre a liberdade e a vontade de querer ficar. Então, recapitulando, dezenove foi, e é, agora, um dia para me lembrar das coisas que eu podia. Que eu posso. Nossa, quem diria que eu conseguiria sobreviver a esse dia sem angústias. Ansiedade. Medo. Receio. Mas passou. O amor pode passar, sim. A saudade também. Nossa, como a saudade pode passar. Custa, mas passa. Esse amor e a saudade só passam quando você percebe toda a dimensão de vida que lhe sobrou. O quão grande pode ser o recomeço. E o quão boas podem ser as perdas. Perder. Como que se perde algo que nunca foi teu? Como que faz para notar que algo, de fato, nunca foi teu? Custa. Custa muito. Custa algumas horas de dor. Um milhão de lágrimas e mais um pouco. Muita, mas muita falta de ar. Dor no peito. Nos ossos. No último fio de cabelo caindo da sua cabeça. Mas a gente nota. A gente finalmente percebe. A gente aprende que nada dura pra sempre quando uma pessoa não quer. Quando não vale mais a pena o toque. Quando o amor pronunciado é tão forçado. Quando tudo é uma chance para uma nova desculpa. Que me desculpe o poeta, mas mentiras sinceras realmente não me interessam. Não me interessava quem era no telefone as duas da manhã. Não me interessava as inúmeras questões de prova que corrigi, mesmo não sendo minhas. Não me interessava o melhor prato de comida que me fazia. Não me interessava os presentes caros, os shows, os carros, o sítio, a privada de dois mil reais que ainda não paguei ou a porra do apartamento de 90m². Não me interessava se tinha ou não dinheiro no mês. Não me interessava nada. Nada além da paz de espírito que procurei sentir naquele colo. Como procurei a paz, meu Deus. A gente procura por todo lugar algo que estava sempre na gente. Porque a gente quer o mais difícil. A reciprocidade. A empatia. O olhar no olho sem cobranças. O simples beijo de boa noite. A mão encostada quando o medo fala mais alto. Difícil, não é? Mas não impossível. Impossível é viver uma vida de tantas idas e vindas e não aprender fazer morada. Não aprender a deixar o outro ser nossa extensão de vida. A gente perde tempo demais achando que podemos mudar a vida de alguém. Tornar as dores do outro mais leves. Tornar o passo menos apertado. Mas a gente não consegue cuidar de alguém sem antes olhar para nós. E a vida te mostra isso quando tudo já estiver perdido. Mas mostra. Mostra que as lembranças vão passar. A dor. As lágrimas. A culpa. O remorso. Tudo nessa vida vai passar. Vai passar, é claro, quando a gente se permitir. A gente precisa saber a hora de deixar o outro ir. Mesmo você ainda sentido raiva de todas aquelas mentiras. Mesmo você tendo vontade de matar o ser humano que mentiu tão descaradamente na sua cara. Porque a gente sabe. A gente sempre sabe. Principalmente quando é a hora de desatar os laços. De ir embora. De finalmente deixar ir. Teu coração nunca mais será o mesmo. Mas ele vai aprender de novo. Vai deixar passar toda tempestade pra trazer, de novo, a mesma vontade de infinito.
Faz sol nessa terça-feira. Daqui a pouco vai começar a chover.
Dezembro também vai passar.
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Grande mentirosa, mais besta que a besta e dona de um coração “viciado em amar errado”.
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