i should be the one behind the wheel


Essa noite sonhei que haviam achado seu carro na garagem de um parente do meu tio. Era como se eu tivesse sentindo tudo o que já passamos dentro dele. As milhares de músicas que cantávamos a todo o vapor. E até àquelas chatas, que você cismava em colocar pra tocar só pra me irritar. Das inúmeras gargalhadas de doer a barriga, porque no fundo, o que era engraçada mesmo era a sua risada toda torta e desajeitada, mas que era só sua. Das rotas erradas que eu fazia você pegar e culpava minha burrice de não saber ler o GPS, e você ficava puto da vida porque sempre tinha que pegar um retorno enorme até voltar de novo pro mesmo ponto que eu errei. Das conversas diárias que tínhamos quando voltávamos inconformados da casa de alguém, e muitas vezes a gente ficava puto ao mesmo tempo com as coisas que essas pessoas faziam, e a gente discutia pra ver se era realmente digno de ficar puto por uma coisa dessas. Das idas até os shows das nossas bandas favoritas, onde no caminho a gente já fazia planos sobre o que iriamos comer quando chegasse no lugar ou qual lugar iriamos depois para nossas gordices. Das inúmeras e incontáveis vezes que pegamos a vinte e três de maio pra ir correndo socorrer meu pai ou visitá-lo, e ver ele sorrindo quando você chegava, e eu voltava chorando toda vez porque era foda mesmo com todos os pesares e os "porquês" dele estar ali, era foda e você sabia que era foda pra mim, e talvez por isso ficava ainda do meu lado naquele lugar frio e solitário. Dos silêncios pela manhã que você não gostava de falar, tão pouco eu, mas que eu tentava fazer você falar qualquer coisa - você não entendia, mas eu só queria ouvir sua voz amanhecida e toda arranhada antes de você ir trabalhar ou me deixar no ponto de ônibus. É engraçado como um veículo, tão insignificante pra uns, possa ser espaço pra tanta memória. Lembro de como eu guardava as coisas, todas muqueadas no console ou das suas blusas jogadas no banco de trás. Você era uma espécie de caos e mostrava isso no seu carro. E é engraçado como as coisas são, como o tempo muda, como o ódio vai diminuindo e a saudade não existe mais, mas ainda existe essa coisa de sonhar e lembrar. Não é uma lembrança que me faz te querer de volta, até porque nenhum ser em sã consciência queria um embuste como você de volta, mas são essas lembranças que fazem a gente cair na real e lembrar de que eu não estava errada. Eu não posso me permitir me culpar depois de tanto tempo. Eu não tenho saudade de nada disso, te juro, mas eu lembro. As lembranças fazem parte da vida, mesmo eu querendo ser a Clementine e apagar de vez tudo isso da minha mente. Também não digo que fico remoendo e lembrando de você a cada instante, porque estaria mentindo. Eu não lembro de você porque você me fez mal. Você me machucou de uma maneira insondável, que talvez isso nunca se cure, ou se cure e eu ainda continue tendo essa sensação de que você é um puta dum merda, que desperdiçou a sua vida em segundos. Mas, eu sigo aqui, às vezes com ódio dos sonhos, às vezes com ódio de mim mesma por ter que ver essa memória, mas a verdade é que infelizmente ainda não pude dar um tiro na minha mente e apagar de vez toda essa merda que tu fez na minha vida.

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