você não existe

 


no inicio dessa manhã eu acordei precisando de você, tateando tuas mãos no escuro, querendo que elas trancassem meu peito como um cadeado que só você saberia abrir. acordei meio que de sobressalto e, como esperado, você não estava aqui pra dizer que tive apenas mais um sonho ruim, que eu precisava mesmo era de alguns segundos de massagem no peito pra adormecer tranquila e sonhar com você, como sempre me pede a cada despedida. no fundo, só precisava mesmo desse seu carinho, despretensioso — embora sincero — e das pontas dos teus dedos passeando pelo meu rosto, até calçar a nuca e ficar por ali.

coloquei meus pés no chão e percebi que é irritante saber que não tenho hora ainda pra te ver, pra descer correndo as escadas do meu prédio porque você está me esperando na portaria. é claro que a gente sonha demais com coisas pequenas e eu queria que fosse assim tão simples.

quando você me liga, sempre à meia noite, conversamos sobre coisas diversas, como um galinha do tamanho de uma girafa ou sobre procedimentos estéticos que não valem à menção, porque você bem sabe, contigo tudo fica em seu devido lugar, inclusive toda e qualquer desordem; porque com a sua voz, cada manhã começa como uma madrugada de sábado pra domingo, cheia de paz e preguiça pois, independente do compromisso marcado pras horas seguintes, nosso romance-por-telefone sempre pode ser prorrogado por mais cinco minutos.

só queria que você soubesse que — mais uma vez — acordei querendo dormir ao seu lado; ou pelo menos, te vendo dormir aqui no meu canto da cama. que esse infeliz acaso pare de me descobrir, me deixando ao relento da tua ausência. acordo desejando que você entre por aquela porta, repetindo docemente que nem nos seus melhores sonhos tu imaginava me encontrar, ou pra gente dizer juntos "você não existe" tão bem dito e bendito, me acordando de qualquer sonho bom ou ruim e trazendo boas doses de realidade e de carinho do jeito que é só teu.

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