Feito para caber
Algumas coisas foram feitas exatamente do tamanho certo para caber em lugares
adequados. Quando eu era pequena, minha bisa guardava moedas em um cofrinho
feito por ela, para dar a cada bisneto no dia de seus respectivos aniversários.
Sempre tive as gavetas erradas para as minhas roupas: elas sempre ficavam para
fora, pois não foram feitas para caber na gaveta pequena. As calças número 38
nunca foram feitas para caber no meu corpo, mas isto nunca foi um grande
problema para as 40, que já me vestiram perfeitamente. Em algumas páscoas,
minha tia fazia potes enfeitados que cabiam os incontáveis confetes de
chocolate que ela me presenteava, pois sabia que eu adorava. Minhas palavras
não cabem em algumas matérias que tento escrever pro meu trabalho: quero falar
muito para pouca coisa. Mas, de um jeito ou de outro, sempre encontro uma
maneira de fazê-las caber. Em noites em claro, meu suspiro cabe dentro de uma satisfação
que parece não ter fim. Algumas lembranças de coisas vividas foram feitas para
caber com extrema exatidão dentro da minha memória, embora eu tente apagá-las
frequentemente. Outras, é claro, eu peço - e imploro - para minha mente deixar
que caibam nela para sempre. Fiquei me perguntando, agora, neste finalzinho de
domingo, se a saudade foi feita para caber no peito. Será que cabe? Em alguns
instantes, ela me escorre pelas mãos, pelo corpo e pelos olhos. Hoje eu tive a
sensação de que o meu abraço não foi feito para caber nos braços de outro.
Talvez, eu esteja desperdiçando o que eu poderia dar para outro alguém, algo
que caberia perfeitamente. Quanto tempo dura um abraço? Será que é o tempo
certo para caber eternamente em nossa lembrança? Ou será que só cabe no exato
segundo que ocorre? Pergunto-me, em vão, querendo entender o porquê de muita
coisa não ter sido feita para caber. Muita coisa, como por exemplo, àquele
lindo cabelo curtinho não caber no meu rosto redondo. Outras coisas, eu sei,
que cabem. Aquela eterna mágoa que caberá no meu ser, na minha essência e nos
meus dias pelo álcool consumido pelo meu pai. Ou aquela saudade imensa da minha
querida Lu que não passa nunca e que cabe, todos os dias, em mim. Se alguém reparasse
que um abraço, cabe sim, em nosso braços, o calor e conforto que tento
transmitir e receber não seriam jogados para fora: eles simplesmente caberiam
dentro de nós.
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