​Sobre o que ninguém te conta sobre a saudade​


Têm sido dias dolorido​s. Eu não sei em qual momento da vida ou por qual razão dos cósmicos eu tenha me tornado uma pessoa profundamente nostálgica. É o stress do dia a dia? A ansiedade hóspede de todas as horas? O mês propício as minhas mais dolorosas e boas lembranças? Eu não sei muito bem.

​Escolher alguns caminhos ao longo da vida é difícil. Ter que ver as coisas mudarem e se adaptarem ao novo é como ter um amigo de longa data, que vem, te abraça e fica por alguns dias. Que vai embora, mas que promete que volta daqui um mês ou daqui duas horas.

E ele sempre volta.​ E isso é a saudade.

Olho para trás e vejo muita coisa ficando, olho para frente e sei que tem muita coisa ​pra vir. É aquele ponto que é longe demais para voltar atrás e incerto demais para continuar sem medo. A saudade faz isso com a gente.

Recordar é um vício. Lembrar com detalhes de rostos, de conversas, de momentos é um dependência, uma espécie de compulsão adquirida de mentes acostumadas com uma vida guiada pela intensidade.

Já reparou que quando a gente é criança, nós não mensuramos o quão grande é sentir saudade de algo, de uma época, ou de alguém? Eu lembro que saudade era aquela vontade de ir até a casa da minha vó Lucinda, que morava há poucos minutos da minha casa, e eu podia ir lá a hora que eu bem entendesse. Era poder chegar lá com saudade da sua torta de frango e ela ter feito para eu comer.

A gente achava que saudade era estar de férias da escola há tanto tempo e voltar no mês seguinte com tanta coisa pra fofocar com os colegas. Saudade, na infância, era conseguir um real e ir comprar um monte de dadinho na doceria. Era andar de bicicleta com seus primos na viela do lado de casa. Era seus amigos indo na sua festa de aniversário pra comer bolo de chocolate e brigadeiro.

Mas a gente cresce e percebe que a saudade é muito mais dura. É algo que ninguém nunca vai conseguir mensurar. Passam-se anos, mas ela continua ali, embora às vezes escondida ou adormecida. Ela sempre volta, como o amigo acima mencionado.

E são saudades diferentes. Minha vó partiu quando eu tinha 12 anos. Hoje, com quase 27, ainda passo pelas ruas próximas a casa dela e tenho a sensação de que ela ainda estará lá. É um misto de angústia e dor, mas eu aceito. Quando lembro da infância e lembro dela, desenhando pinheiros comigo na mesa da sala, ainda engasga a garganta, mas eu entendo.

A vida é esse eterno sentir saudade de quem foi embora. Ou de quem a gente foi. Do que tínhamos e era tão bom. Saudade do que foi e do que poderia ter continuado a ser. E isso não é ser preso ao passado, longe disso: é apenas não passar pelo processo de Clementine em Eternal Sunshine of the Spotless Mind e esquecer.

Demorei anos pra aceitar que eu era um ser alimentado pela saudade, embora que não a saudade dolorosa. Mas aí está algo que ninguém nos conta sobre a vida: é impossível se desprender da saudade porque é impossível apagar o que passou.

Não dá pra esquecer a forma como nosso coração acelerava quando a pessoa que você mais amou na vida estava prestes a chegar. Não dá pra esquecer daquele abraço gostoso que nos protegia de tudo lá fora e que nunca mais vamos receber. Não dá pra esquecer das palavras de conforto, de atenção, de broncas e de zelo que a gente ouvia, porque a gente sabe que nunca mais irá ouvir. Não dá pra esquecer aquele cheirinho de café passado que só a minha vó sabia fazer. Não dá pra esquecer as noites de natal com a minha família inteira reunida sem nenhuma briga, apenas brincando com as crianças e sobre o que poderiam ser os presentes em volta da árvore. Não dá pra esquecer meu avô emocionado com o dvd que minha tia fez com as fotos antigas da família. Não dá pra esquecer os olhos que me esperavam no ponto de ônibus todas as noites porque era perigoso eu descer sozinha a rua.

Não dá pra esquecer, mas a gente aprende a conviver.

Vai ver a vida é isso mesmo: essa eterna saudade de coisas que a gente nunca vai ter novo, mas a certeza de que teremos sempre o amanhã pra continuar aqui e fazer novas lembranças favoritas.

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