Amo, logo, resisto: a ideia dos recomeços e da vida após a perda



Quando a gente perde o primeiro grande amor de uma vida, nós achamos que nunca iremos superar. E de fato é difícil. Não é tão simples como contam em histórias do cinema, em livros de autoajuda ou em frases motivacionais no Instagram. Na pele, no dia a dia, na cabeça e no coração, suportar a perda chega a ser imensurável de tão dolorido que é.

Acontece que o tempo, mesmo que devagar em algumas ocasiões, passa. Clichê demais dizer que a dor passa com o tempo, mas a verdade é uma só: ela, de fato, não passa. Ela se aquieta. Aparece sorrateiramente para lembrar que você é, sim, de carne e osso. Retorna para te fazer entender que você passou por aquilo porque era para ser assim.

Depois de um tempo, todas as esperanças que você tinha perdido no amor, parecem ressurgir. A gente tromba o amor por acaso na rua. Ou no metrô. Ou na casa dos seus amigos. No aplicativo de paquera. Na festa de casamento do seu melhor amigo.

E, foi assim, que depois da perda, ele apareceu para mim. Tímido, mas falante. Com a risada engasgada e com as piadas mais idiotas do mundo. Contudo, as coisas não são perfeitas. Ele surgiu na minha pior fase. Daquelas que você não quer sair da cama por nada. E eu também surgi nas suas piores fases.

Porém, o amor, como bem sabemos, tem olhos que vasculham nossa alma, que veem os pontos mais internos e profundos, que ignoram aquilo que não vale a pena e supervalorizam as nossas melhores nuances, fotografando-nos apenas sob nossos melhores ângulos.

Ele não se assusta porque o outro não tem trabalho e nem dinheiro. Ele não se intimida porque o outro não tem casa. Ele ignora que o outro já entrou e saiu de um monte de relações. O amor é condescendente e topa ir almoçar com você no dia seguinte, mesmo quando você faz o convite a uma da manhã, depois de ter dito que iria precisar sumir por uma semana. Porque o amor não pede explicações, ele já é em si a justificativa perfeita para qualquer mudança de planos.

Na minha pele, o amor chegou numa noite sufocante de frio. Eu topei com ele e falei das músicas bregas do Youtube. Eu o levei para tomar uma na esquina da augusta e, ali, para fugir do zunzunzum dos bares, convidei-o para conhecer o mundo e torná-lo mais habitável, pelo menos naquelas horas, por aquela noite e, quem sabe, pelos próximos dias.

Eu não queria me envolver. Eu não queria ser a morada de ninguém. Eu não queria deixar ninguém se aproximar de mim. E, de fato, não deveria. Mas ele, ser ardiloso e insistente, me fez bater no peito de que ele era diferente. Meu deus, como eu acreditei que ele era diferente.

Ele se disfarçou de affair primeiro, deixando-me a vontade para fazer, dizer, titubear. Para poder dançar ao ritmo dialético e frenético do desejo e da hesitação. O amor simplificou as coisas para mim e quando eu lhe disse que "não estava disponível para nada", ele disse que também não estava, mas me convidou para assistir a uma banda chata na sua cidade.

E lá estava eu tentando quebrar todas as barreiras que eu criei no meu coração. Ele pegou nas minhas mãos e disse que tinha medo de eu ir embora, mas que seu maior medo era me deixar. Eu disse para o amor que também temia e que achava que não conseguiria sofrer tudo de novo, mas que não iria morrer se ele fosse embora.

Aliás, eu enfatizei que nosso tempo era o agora e que tudo que era bom merecia ser vivido até a última gota. Só que ninguém ensina o coração a ser diferente. A gente vai agindo por impulso, como se não pensasse muito bem o que estava fazendo.

Em outra noite fria, ele se fez morada. E eu topei o seu pedido besta, comendo frango e tomando coca cola gelada, de tentar ser alguma coisa. E eu tentei. Como eu tentei ser morada dos seus olhos.

Mas o que ninguém conta sobre os amores que aparecem assim, numa noite fria, é que talvez a gente esteja servindo apenas para tapar buracos. Curar a dor antiga que não cicatrizou e que insiste em voltar a doer.

Eu não percebia, mas eu deixei. Eu era muito diferente. Com um amor quieto, comedido em suas palavras, crítico que só ele, pessimista até, eu diria, zen-budista, praticando a não ação. Ele, centro do universo, sempre no palco da vida, eufórico, falador, gargalhando do que quer que seja.

O amor se instalou definitivo e imperceptível. Diferentemente das outras vezes, em que apenas percebi seu vulto, o amor - nesta ocasião - veio a passos lentos e bem premeditados. Não fez muitos convites, mas acolheu os meus. Não assinou contratos, porém foi doce e verdadeiro em cada linha. O amor se abriu para mim, como o Canal da Mancha faz aos seus intrépidos nadadores. Respondeu às minhas perguntas, mesmo quando eu não gostaria de ouvir às respostas e, pela primeira vez, não foi meu algoz, mas foi meu juiz. O amor não me aprisionou, não comeu meu nome, mas tirou a minha identidade.

Mas, no meio de desencontros com a vida, o amor mudou. O que era para ser a troca do que eu oferecia, se tornou uma ferida. Enquanto eu o fortalecia, cuidava da casa e do coração, e não deixava nenhum carinho faltar, ele estava se instaurando em outras noites frias por aí.

Ao invés de rir das minhas brincadeiras, das palavras que eu inventava e das dancinhas em frente ao espelho do guarda roupa, ele me fazia chorar mais do que deveria. Doía tanto que eu já não me reconhecia.

Enquanto eu falava de dor, ele falava de amor com outras pessoas. E não era sobre mim. Era sobre a sua necessidade de ser morada em tantas pessoas ao mesmo tempo.

Acredite: o amor não é para ser assim. Amor bom não dói e não machuca e não dá risada da sua cara. Não te sufoca com um travesseiro para você parar de chorar. O amor é grato. É único. É passível de erros, mas não de falta de caráter.

Ao olhar distante, percebo que talvez o amor seja isso: se entregar pura e verdadeiramente para alguém que não sabe o que fazer com isso. E é isso o que não nos ensinam sobre ele: a aceitar a perda e recomeçar.

Hoje eu entendo que, quando o amor deseja ir embora, eu não posso carregar essa culpa. Não posso me culpar por inconstâncias, por falta de respeito e por traições. Pra ele, eu fiz o que pude. Fui além da minha bolha, fui além de qualquer coisa que me prendia. Fui além da minha dor e de toda a minha história que perdi ao longo do tempo. Fiz além do que deveria.

Para eu, por hora, faço o que preciso: recomeçar mais uma vez.

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