onde mora a lucidez



Olha, eu sei que a vida anda difícil e tropeçando, mas eu preciso dizer que gostei de você. Não te disse, como você também não disse. Gosto de pensar que no fundo você soube. Pena que as cabeças confusas não saibam amar. Pena também que eu tenho vergonha de dizer, embora a gente não deva ter vergonha do que é belo. 

Sabe quando você fica tão feliz, mas tão inevitavelmente feliz em ver alguém, que fica indignado? Porque, justo naquele dia, não deu tempo de pentear o cabelo ou dar um tapa no visual, justo naquele dia, com cara de semana passada e bochecha amassada. Mas, embora indignado, você não chega sequer perto de ficar triste, porque é melhor ver aquela pessoa com a sua cara toda estrunchada mesmo, do que não ver.

Tenho medo de morar aí a verdade.

No inevitável, sabe? E eu nem acreditava que ele existisse. ‘Maniacamente’ controladora, eu jurava que dava pra evitar qualquer coisa, até o mais íntimo, mas eu conheci a turbulência de alguns sentimentos. Descobri, no susto, que tem gente que só atrapalha. Só atrapalha o desânimo, atrapalha a vontade de reclamar do dia, atrapalha a cara amarrada e até o cansaço. Acho que é isso que me soa mais verdadeiro. O contra. O que consegue ir contra e ainda brotar brilhante, ultrapassando todas as amarras nas quais nos encaixamos por uma tal de sensatez.

O contra é aquela covinha na bochecha. Duas nas costas. A clavícula nua que desenha o ombro, remontando tudo como um travesseiro. Um corte irregular de cabelo; semi ondulado. Cílios enormes, que fazem sombra nos olhos. Dentes levemente tortos, como os de gente normal. Olhos apertadinhos possivelmente igual ficam no sol, fazendo uma caretinha. Risada de 4 segundos sem som. O idioma indecifrável enquanto dorme. Conchinha com a coberta. Eu tenho sérios problemas com detalhes. Não esqueço, embora que sejam rápidos.

E aí mora também uma lucidez: um simples carinho, às vezes, derruba todas as minhas teorias.

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