E riscou tudo mais uma vez como se pudesse esconder de si o que sempre morou em suas palavras. (ou na falta delas)
CONVERSATION
"Eu te amei muito. Nunca disse [...], mas acho que você soube. Pena que as grandes e as cucas confusas não saibam amar. Pena também que a gente se envergonhe de dizer, a gente não devia ter vergonha do que é bonito. Penso sempre que um dia a gente vai se encontrar de novo, e que então tudo vai ser mais claro, que não vai mais haver medo nem coisas falsas. Há uma porção de coisas minhas que você não sabe, e que precisaria saber [...] São coisas difíceis de serem contadas, mais difíceis talvez de serem compreendidas — se um dia a gente se encontrar de novo, em amor, eu direi delas, caso contrário não será preciso. Essas coisas não pedem resposta nem ressonância alguma em você: eu só queria que você soubesse do muito amor e ternura que eu tinha — e tenho — pra você. Acho que é bom a gente saber que existe desse jeito em alguém, como você existe em mim."
Caio Fernando Abreu
(desde a primeira vez, humano, demasiadamente apaixonante)
- Traga-me vinho, amor. Estou pronta para comemorarmos mais um ano que se inicia ao seu lado. Ah, como eu te amo. Como eu te quero. Como é boa minha vida com você. Sinto-me viva por idolatrar a eternidade junto de ti. Não houve retorno de voz. Vera terminara de colocar seu par de brincos de ouro batido ao som de "se você disser que eu desafino amor, saiba que isso em mim provoca imensa dor". Chegou a seu quarto com o entusiasmo a flor da pele e lindamente vestida para a virada do ano em Copacabana. Deparou-se com o corpo de seu marido, já vestido com aquele terno que acabara de comprar, deitado sob sua cama com as mãos juntas ao travesseiro. Dormia docemente, pensava Vera: - Como é lindo te olhar amor meu.
"- Segure minha mão filha, segure. Ande, antes que você não conheça meu marido. . Mas minha senhora, seu marido não está aqui. Só está eu e meu primo aqui...estamos esperando nossa avó voltar do centro cirúrgico. - Sem delongas, vamos."
- Amor, acorde. Está quase na hora, não quero perder a virada do ano. Pare, depois você volta e dorme. E mais uma vez, sem retorno de voz. Vera passou as mãos em seus cabelos frios, seu rosto pálido e seus olhos sem respostas.
"-Por favor, não se vá. Volte para mim. Não me deixe, não posso viver sem você. . A senhora está bem? Quer que eu chame a enfermeira? - Sua tola, eu quero meu marido."
Vera partiu junto com ele naquele momento. Sua única razão, seu motivo maior se perdera. Ela deixou de viver. O luto durou anos. Durou tanto que, sem filhos nem parentes, contratou alguém para cuidar dela. Cada dia que nascia ela não se lembrava de mais nada. A única coisa que se lembrava era daquela virada do ano, e de pequenos marcos de sua infância.
"–Minha filha, eu vou embora. Vou encontrar o meu amor. Ele está me esperando com aquela taça de vinho. Por favor, coloque meus brincos enquanto toca essa musica. - Tudo bem. - Amor, estou indo, calma. Eu te amo, além de toda a eternidade."
Suas mãos seguraram as minhas até a hora em que não senti mais a sua firmeza. Não tinha pra quem ligar, não tinha família. E eu fiquei ali, a entender que tempo é esse que tira a memória das pessoas. Terminei em vão e com a estranha sensação de ter que cumprir a idéia de não esperar o tempo para trazer-me as lembranças, mas sim, vive-las como se eu as fosse esquecer amanhã.
preguiça manchada pela dor, caminho perdido, décadas perdidas sob meus olhos correndo atrás de tempestade em busca de saber quem és. mas aqui só predomina o calor calor sofrido calor chorado calor fingido; contra toda a força de corpo de dias que vagamente são cada vez mais incertos ao se esconderem atrás do tédio, quando tudo ainda me fazia parecer valer a pena. o velho pressentimento pelos ombros a cair, foge sem me deixar rastros mas o que eu posso fazer, humildemente, é me deixar fluir sem fazê-lo perceber que a rotina que tanto me sufoca, me afasta ainda mais de sua presença;
Eu o via correndo de um lado para o outro, com seus cabelos enrolados todo bagunçado e com o óculos que ficava se exibindo só porque eu dizia que era o melhor que já havia comprado. Era inevitável, não conseguia parar de olhá-lo, quando deixava sua blusa em minhas mãos para que pudesse correr sem molhá-la com suor. A sua grosseria era maior que ele mesmo. Teus gestos com timidez, quando me levava nos seus pés para me dar a linda sensação de como era andar sem por os pés no chão. Fechava-se em seus pensamentos e era difícil deixar alguém se aproximar. Teu lado machista, teus pulsos enrolados com aquele fio encerado colorido que eu tanto tirava e fingia esquecer devolver. As milhares de ajudas em contas e a cara de pequeno prodígio que eu me contentava quando apenas apagava meus erros. Os telefonemas sem porquês e sem graça, quando ficava sem falar nada e eu tentava adivinhar se estava bem ou se queria apenas conversar. As madrugadas vazias e a tua imagem me fazendo rir ao relembrar a raiva que sentíamos um do outro, ou por ficar com os pulsos entre o queixo olhando para mim só para ver o quanto conseguia me fazer ficar vermelha. Os mesmos sonhos e o desejo de se mudar para a mesma rua (pobre imaturidade). Sentara naquele vaso que fizera de banco e me levou para perto de sua respiração como nunca havia feito. Balbuciou docemente o carinho que sentia por mim que fez com que minhas bochechas ficassem ainda mais quentes pela vergonha do estado de estarmos sós. Eu preciso ir embora. Eu vou com você. Mas a minha mãe, minha mãe vai comigo. Fica aqui, preciso te dizer algo. Não posso mesmo, preciso ir. Os portões azuis se abriram para que pudéssemos sair. Suas mãos levemente frias passaram em meus cabelos e ele selou com teus lábios a doçura que eu tanto espera sentir. Por favor, fica aqui. Desculpa, já estão ali - apontando para o carro onde me esperavam - e eu tenho que ir. Suas palavras me faltaram durante uma semana, sem ligações, sem aparições, sem ele. Meu destino esperou o dele, mas ele não apareceu. Voltei atrás com dezembro e nunca mais nos falamos. Três meses se passaram e ele, sem me pronunciar nada apesar de encotra-lo todos os dias, pela rotina que nos obriagara a ficarmos juntos, se pegou sentando na minha frente pela primeira vez. Se eu te dissesse que uma pessoa se arrepende do tempo que deixou escapar, o que diria? - perguntei sem rodeios. Eu diria que é tarde demais. Mas e se eu disse que ela está prestes a deixar tudo para ouvir o que queriam dizer para ela? Esquece, eu fiz muito bem em não ter dito nada. Um ano se passou desde essa última vez, seus segredos o consumiam e se calava ainda mais, até o dia da nossa formatura, que ele me abraçou - como nunca fizera - para cumprimentar-nos. Você está lindo, mas eu ainda prefiro teus cachinhos. Dançávamos um ao lado do outro. Era maior do que eu mesmo possa imaginar, mas meus olhos não desviavam dos olhos teus. Ir embora, mais uma vez. De novo. Pois é, eu sempre estou fugindo, não é mesmo? Boa sorte na sua vida, que tenhamos toda a felicidade que merecemos. Obrigada. O abracei fortemente: Você não faz idéia do quanto eu vou sentir falta de acordar de manhã e ir ao encontro do seu sorriso. Boa noite. Boa noite. Antes de eu ir embora, saiba que... Eu também Ana, eu também.
Foi quando eu percebi que estava desolada, sem ruas, sem vestígios, com apenas sonhos estreitos diante da beleza do esplendor de um único dia para lembranças. Foi quando eu parti e resolvi mudar, encontrar abrigos, endereços, detalhes, com esperança na medida que o tempo voa. Foi quando eu entendi que falsas dificuldades criam alusões de felicidade, solidão, mediocridade. Foi quando... esquece.
Agora chega de lametar o que foi ou o que deixou de ser. Revigorada, com expectativas ainda maiores do que eu mesmo possa imaginar. Alimentando o desejo de ir, ser e estar.
Vivendo lentamente a procura de começos. Novos começos.
Além daquilo que me espera. Além do que a própria vontade de ser real.
Que seja permanente o desejo de ser, superfulo ao brilho do espelho, demasiando aquilo que nasceu de mim na cadência dos momentos de 'agir e pensar' não condizentes com o caminho previsto.
Além dos sorrisos para os nãos da vida. Além do tempo que guarda as medidas de um amanhã longo.
Que haja ventos ocasionais para desabrochar a primavera de uma vida repleta de remotas expectativas.
Com gosto de chuva escorre por mim, lavando meus sonhos, despejando o local inospito de uma tarde de trilhos azuis.
Delicadamente mudando de foco. E todo o resto, bom, todo o resto continua num labirinto de embriaguez ou em um feitiço à queima roupa.
Tudo é tão só, caindo no esquecimento com tanta facilidade longe dos olhos, longe do coração que dói. As pessoas me doem. Tudo é menos. Sem vergonha.
Sem pressa.
Porque Mudar leva tempo. Tempo? Sim, leva muito tempo.
Desafinando os passos de onde deveria ser guiada. ¹
Além daquilo que me resta. Mais além de onde eu posso chegar.
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