Conta
Estavam em reforma, acho que iria ter um show.
Pois é.
Sentei no meio fio e a chuva me encharcou sem que eu pudesse impedir.
Conversava comigo mesmo, enquanto os carros passavam e as pessoas corriam para não se molhar.
Lembrava de uma amiga que dizia que eu nunca havia seguido meu coração. Não, ela não estava errada e eu sei muito bem que eu sempre segui razão.
Senti, antes de estar ali na sarjeta, que era hora de deixar de ser tão distante de mim e fazer o que eu nunca fiz, que era justamente escutar o que meu coração dizia.
Ai que papo mais melado, eu sei.
Andei três vezes de um lado para o outro (sim, era enorme o lugar por onde andava), de cabeça baixa, seguindo aquela marca branca no chão que levava até a próxima estação do metro.
Chorava sem conseguir me conter. Usava óculos escuro para esconder meus olhos vermelhos. Não era por tristeza, era decepção. Talvez tenha sido indignação, sei lá.
O problema é querer mais do que os outros podem oferecer.
Fui parar numa escadaria, a chuva me levou até lá. Caio Fernando Abreu dizia: "Ele ainda não quer deixar de ser sozinho. Se fosse assim, ah se fosse assim, ele iria ao encontro do poente".
Cai em tentação, chorei mais do que minhas lágrimas podiam escorrer.
Voltei para o mesmo lugar de onde havia saido, encostei no banco do metro e não levantei minha cabeça. Minha calça já seca se molhara com meu desejo escorrido pelos olhos, minhas mãos tremiam e minha pressão foi caindo.
Sai numa estação qualquer, pra respirar.
Me dei conta de que não é o velho pressentimento do meus ombros cairem que iria trazer os olhos pra perto de mim. Nem nada traria. Talvez nem ele mesmo.
E minha conta se abrira para um novo fim.
Mas apenas criança és, embaixo da chuva, perdida em contradição.
A espera do tempo pra fazê-lo sorrir.
Conta pra ele que ninguém faz milagres, nem mesmo eu.
As pessoas se cansam.
Se dê conta do que se perde.
Conta os dias e perceba se teus planos ainda são os mesmos.
E se eu tivesse raiva, não traria minha conta para você ler.
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