seus pés finalmente sorriram.
Ao sair de casa, se deparou que sabia muito bem para onde iria: para qualquer lugar.
É um bom começo.
Suas revoltas e indignações contra o tempo já não adiantavam em nada. Por incrível que pareça neste dia não pensava em qualquer coisa que seja.
Era de costume ouvir músicas de fossa quando saia para rua, por isso que, mudando totalmente do tradicional, levou Lolita, de Nabokov.
Sentou no último assento do metro e viu as horas passarem, mas viu porque quis. Cansou das coisas clichês que tanto falavam e que ela mesmo reproduzia: "ah, a coisa tá boa que nem vejo as horas passarem." . Claro que vê, mas não quer falar por ser bom. Por estar bom.
Lá do fundo, tinha uma boa visão. Todos entrando e saindo, calma, não no sentido poluído da coisa. Longe disto!
Sempre tinha aqueles com fones, pastas, relatórios ou os viciados, pedintes, da limpeza, com mau-humor, felicidade excessiva, os quietinhos, os lunáticos, ah tinha de tudo.
Ela se parou olhando mundo, tanta coisa num compasso avançado que seus olhos não sabiam o que queriam ver.
Terminou o romance.
Leu assim por cima mesmo, como era de costume. Os livros que lia não demoravam dois dias, devorava-os com uma sede de curiosidade que as vezes nem lia a página toda, pois com uma mera frase, já entendia o que o autor iria dizer.
Guardou em sua bolsa, imaginava.
Desceu em uma estação qualquer, e foi andar por lá.
"-moça, moça, moooooooça"
"-Quem, eu ?"
"-Você esqueceu. Vim atrás de você, vai que era algo de valor"
"-Obrigada mesmo. Ainda bem que há pessoas como você no mundo", brincou.
Uns dez minutos ficaram se olhando.
Ele, todo engravatado, com a barba por fazer pediu para que o acompanhasse para um café.
"-Conte-me sobre esse livro. É um romance né?"
"-É sim, mas eu não gosto de explicar livros. Na verdade, eu não sei resumi-lo. Se eu for contar, ah, não tem graça, vai que um dia você o pega pra ler!"
"-Você é engraçada, mas tudo bem. O que fazes da vida?"
"- Olha, eu acho que nada. Terceiro chegando no fim e eu nem sei o que vou ter pela frente. E você, advogado, empresário, promotor?" disse aos risos.
"-Não, sou professor."
"-Professor ? De terno e gravata? Num tá com calor não?"
"- hahahahaha, to sim. Mas é que eu sou professor de Sociologia mas trabalho num escritório qualquer ai"
"-Que legal, também vou fazer isso na facul."
"-O que? Trabalhar num escritório?"
"-não né, ah, você me entendeu, hahahaha!"
"-Hmmmm, quando entrar. [dando seu número de celular], me liga. Vai que eu te arranjo um emprego!"
"-Ahh, obrigada. Então, tenho que ir. Não gosto de ficar presa muito tempo num mesmo lugar. Foi bom conversar com você. Até breve."
"-Que isso, adorei o café. No próximo, você paga.!"
Continuou andando pela estação mesmo.
Viu ele de longe entrando no metro e com um impulso de sei lá de onde, foi correndo atrás dele.
"-Eiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii, você esqueceu isto"
"-Hã?!"
Entregou o livro.
"-É sobre um professor de poesia que se apaixona pela sua entiada de doze anos. Leia. É um psico-érotico interessante, só para constar. E ah, você me devolve no próximo café."
"-Tá vendo ? Você soube me contar sobre o que se trata. Obrigado!"
[...]
Seus pés sorriram ainda mais,
o dia tinha sido bom. Uma pena não ser assim sempre, pensou.
Ainda bem que levou o livro ao invés da música.
Graças a Lolita.
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