nem mais um segundo




Naquele último dia, eu lembro de pegar o que consegui e olhar para trás e ver você sentado no sofá, chorando como se o teu mundo tivesse acabado. Eu lembro exatamente de sair com o pé direito daquele apartamento sabendo que jamais voltaria e colocando na minha cabeça que, dali em diante, a nossa história finalmente teria chego ao final.


"Dessa vez é pra ser ou é o fim de vez", minha tia disse. E foi o fim.


Eu te olhei com toda a raiva que um ser pode sentir por outra pessoa. Eu fui sem querer te dar um tchau ou um singelo "até breve". Adeus eu dou para todas aquelas pessoas que eu realmente não quero ver de novo. E você, definitivamente, está nessa lista.


Fui embora no carro do meu tio, que não se conformava. Minha tia e minha mãe choravam. Meus primos ficaram revoltados. Eu lembro de colocar o fone de ouvido e fingir que não era comigo. Todo mundo se debatendo, tentando entender, fazendo análises, me defendendo com unhas e dentes, tentando afastar a possível culpa que eu estava sentido. Mas eu só olhava para frente, sem nenhuma lágrima cair. Eu via a minha afilhada do outro lado da mesa rindo no colo da minha prima e eu simplesmente me distanciava de qualquer culpa, temor ou medo. Meu coração, ali, se aquietou.


Aquietou-se porque eu vivi tudo o que podia. Começou a chover, como no dia do nosso casamento, e esse barulho me trouxe a lembrança de todas as coisas ruins que você me disse. Das coisas que sua família me disse. Eu era tão imperfeita, assim como você. Cada um de um jeito, cada jeito incompleto, nossos laços eternos. E eu me pergunto: será mesmo? O tempo afasta até mesmo aqueles que são unidos por amores invisíveis, por um sangue idêntico que circula em veias aparentes. Na volta para casa eu percebi que meu lugar não era mais ali. Eu já tinha ido faz tempo, mas não tinha me dado conta.


Em muitas noites você me socorreu, em muitos dias eu te defendi. Em várias noites você chorou no meu ombro, em várias madrugadas eu tirei os meus melhores conselhos e cafunés da fronha. E assim eu fui vivendo para você. Mas aí eu precisei de amparo. E eu não tive.


Eu percebi que nós crescemos, talvez você tenha evoluído mais do que eu, afinal, você sempre foi o mais centrado, prático, esforçado, competente e racional. Eu sempre fui a avoada, emotiva, atrapalhada e sempre andei de mãos dadas com a preguiça.


E isso realmente foi um peso para você.


O que eu realmente quero que você saiba é que não importa o tempo que passe, o que aconteça ou o que a vida nos ensine. Não interessa quem somos ou quem vamos nos tornar. O que vale é o que carregamos dentro de nós. E eu realmente não consigo mais carregar as tuas mentiras no meu coração.


E você, guarde isso na memória, é só mais um passado que eu faço questão de deixar pra lá.

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